Nasceu o Novo Ano de 2020, quando na capela do nosso Carmelo, era elevada sobre o altar as Hóstia consagrada, Jesus Eucaristia, pelas mãos do Senhor Padre António Freitas, Reitor no nosso querido Seminário de São José em Faro. Partilhamos a belíssima homilia:
“Celebramos hoje, dentro da Oitava do Natal do Senhor Jesus, a solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus. Com esta solenidade, somos convidados a dar continuidade em nós mesmos daquele espírito e olhar repletos de admiração, contemplação, espanto e enorme gratidão por este grande mistério que é o da Incarnação e do Nascimento do Filho de Deus, Jesus Cristo, nosso Salvador. Isto é, da desmesurada capacidade de Deus nos amar e procurar, ao ponto de assumir em si a fragilidade da nossa natureza humana. Por isso, a sabedoria da Igreja dedica à Solenidade do Natal uma oitava, porque este é um tal mistério divino que não é possível compreender de um momento para o outro, porque este é um mistério que ultrapassa a nossa razão, porque este é um gracioso mistério que se vai entendendo ao longo de uma vida que se vai assentando na fé, muitas vezes marcada pelo silêncio.
Por isso mesmo, o silêncio, do qual esta casa é verdadeira profecia no tempo e no mundo hodiernos, não é, como muitos entendem, mera ausência de palavra ou de som. Antes, o silêncio é, por excelência, o lugar discreto e fecundo onde germina a verdadeira Palavra Criadora, a Voz de Deus, bem como a verdadeira Palavra Redentora, o Verbo de Deus, Cristo Senhor nosso. Este é o mesmo silêncio que podemos perceber e contemplar no modo de estar de Maria Santíssima, aquando da chegada dos pastores ao lugar onde havia nascido o Menino-Deus. Ela, mergulhada em silêncio, contempla, admira, procura compreender o que se está a passar e a acontecer naquele lugar, na sua própria vida. E este, mais uma vez, não é um silêncio estéril, de mera ausência de palavras… antes, o silêncio de Maria é aquele silêncio de quem vive na certeza da fé de que todo o tempo e espaço é habitado pela Palavra Incarnada; antes, o silêncio de Maria é aquele silêncio de quem sabe que tem de ser dado lugar pleno e total Àquele que faz surgir novas todas as coisas; antes, o silêncio de Maria é aquele silêncio de quem se coloca uma vez mais, sob a obediência confiante da Palavra, agora feita carne e resplandecente no rosto singelo, ternurento e, certamente, risonho de uma Criança. Direi mesmo que este silêncio de Maria que hoje contemplamos na liturgia da Palavra, inspira-nos a nunca desistirmos de procurar o encontro com Jesus, aquele encontro que “apressadamente” os pastores procuraram ter com o Menino deitado numa manjedoura. Ao olharmos para um ano que finda e outro que se está a iniciar, deve ser alvo da nossa reflexão interior, o modo como damos lugar ao silêncio fecundo nas nossas vidas. Não um silêncio como fuga, não um silêncio como obrigação, mas sim um silêncio como busca de maneira incansável e sempre nova o encontro com Jesus, nosso Salvador. Um silêncio que pode significar oração, é certo; mas um silêncio que também pode significar não responder ao outro para não causar danos; que pode significar saber aceitar a vontade do Senhor, mesmo quando tudo parece ilógico e até mesmo doloroso; que pode significar colocar o outro em primeiro lugar, quando a minha vontade seria ter a última palavra sobre todas as coisas… tanto pode significar fazer silêncio ao modo de Maria, sabendo que a finalidade primeira e última do silêncio de Maria é a primazia de Deus e o melhor bem da humanidade. Por isso mesmo, havemos nós de nos colocarmos a caminho com Nossa Senhora e com a sua ajuda redescobrir a beleza e a novidade do silêncio nas nossas vidas, no nosso caminho de discípulos do Seu amado Filho, no nosso peregrinar rumo à Eternidade.
Gostaria de refletir, à luz da Palavra de Deus que escutámos, um segundo ponto que me chamou à atenção e me parece importante apreciarmos. A primeira leitura permite-nos contemplar um passo da História da Salvação, em que o Senhor pede a Moisés que ensine Aarão e os seus filhos a abençoar o Povo de Israel. Abençoar é invocar de Deus para os outros o melhor bem. E isto permite-nos pensar o seguinte: as nossas palavras (bem como o nosso olhar, os nossos gestos, etc) devem traduzir sempre este desejo profundo do melhor bem para os outros; diria mesmo, de procurar ver nos outros o que há de mais belo e abrir-lhes caminhos de esperança a partir da Beleza e da Bondade de Deus. Eis-nos, então, diante do desafio a que o Papa Francisco chama de estado permanente de conversão em que nós, a Igreja, nos devemos manter sempre. Certamente, ao findar este ano de 2019, podemos olhar para traz e pensar que nem sempre o soubemos fazer ou ser. Nem sempre os nossos olhares, as nossas palavras, os nossos gestos foram de bênção e de procurar o melhor bem do outro a partir de Deus. Mas não esqueçamos que estamos a iniciar um novo ano, ou seja, não é tempo de ficarmos parados a olhar para traz, nem tempo de desistir. Iniciar um novo ano é assumirmos em nós a atitude dos pastores que, apressadamente, se colocaram a caminho da gruta de Belém. Deste modo, este início de ano deve ser um tempo oportuno e favorável para renovarmos em cada um de nós o desejo de purificarmos as nossas palavras, os nossos olhares, os nossos pensamentos e os nossos gestos, a fim de neles, tal como aconteceu na vida de Maria, se espelhar e refletir sempre o bem e a bênção de Deus para os demais homens e mulheres que connosco vão cruzar os caminhos da vida. Pela Maternidade de Maria, veio até nós a grande Bênção de Deus, Jesus Cristo nosso Senhor. Hoje, pela Maternidade da Igreja, reflexo da maternidade Maria, Deus quer enviar cada um de nós, filhos no Filho Eterno, como Sua bênção para os homens e mulheres por Ele muito amados. De gente profundamente grata por se reconhecer abençoada, somos chamados a tornarmo-nos gente que se deixa tronar bênção de Deus para todos; do mesmo modo, de gente profundamente grata por sermos agraciados, deixemos que o Senhor nos faça sua Graça para tantos. Seremos verdadeiramente fecundos, ao modo de Maria, se deixarmos que o Senhor não só nos faça proferir palavras de bênção, mas sobretudo fazer de cada uma das nossas vidas um verdadeiro lugar de bênção e de graça. Assim, convido cada um de nós aqui presentes a tomarmos uma profunda atitude de gratidão por tantas graças e bênçãos recebidas ao longo do ano que agora terminará. A darmos graças por todos os momentos que nos foram concedidos viver, mesmo aqueles que, à primeira vista, não são compreensíveis. Muito do que vivemos foi bênção de Deus, outros momentos ou situações foram verdadeiras oportunidades para nos aproximarmos ainda mais d’Ele e de o amarmos mais, outros ainda permanecem misteriosos acontecimentos em que nos resta permanecer no silêncio confiante de Maria, aquele silêncio de quem sabe que o Senhor nos ama e jamais nos deixará ficar abandonados nem jogados à nossa sorte. Ora, estando nós a celebrar esta Eucaristia neste querido Carmelo da nossa Diocese, não podemos esquecer de trazer à nossa oração um acontecimento marcante desta comunidade: o verdadeiro nascimento da Madre Maria do Carmo para a Vida que não tem fim. Foi um momento doloroso pelo regresso da Madre ao coração de Deus, mas há que dar graças ao Senhor por tudo quanto foi dado viver com ela. Dum coração crente, mesmo na dor e na saudade, só pode brotar a gratidão, ao modo de Maria no seu Magnificat, mas também ao modo de Job: “o Senhor deu, o Senhor tirou, bendito seja o nome do Senhor”. Que a Madre Maria do Carmo interceda por nós para que saibamos ir morrendo para esta vida com o sorriso que a caracterizou sempre.
Por fim, um último ponto. Escolhemos este modo de findar um ano, o de 2019, e iniciar um novo ano, o de 2020. Penso que, sem quaisquer pretensões ou exageros da minha parte, poderemos afirmar com toda a segurança que “escolhemos a melhor parte que não nos será tirada”. Escolhemos estar com Jesus para com Ele elevarmos ao Pai cantos, hinos, súplicas e ações de graças. E que bom é podermos fazer tudo isto no silêncio e na paz desta casa. Muitos quereriam fazer e não podem (cristãos perseguidos, os que não têm como vir, os que se veem obrigados a estar em casa para não ofender familiares – rezemos por eles e transportemos as suas vozes e os seus corações nos nossos); outros porém, tendo oportunidade de o fazer, optam por outras maneiras (não os condenemos; antes invoquemos para eles as bênçãos de Deus). Mas novamente repito: como é bom podermos assim fazer a nossa Passagem de Ano com Jesus. Iniciámos e findamos, findamos e vamos iniciar. Assim se repete há alguns anos neste Mosteiro. Que esta nossa celebração possa ser um ato inspirador para o nosso viver de 2020: querer iniciar e findar todas as coisas da nossa vida em Jesus e com Jesus. Que Ele seja sempre o princípio de cada bater do nosso coração, que Ele seja o fim de cada fôlego do nosso respirar. Que n’Ele encontremos sempre o princípio motivador do bem que formos chamados a fazer e que n’Ele (e não nos elogios dos homens) encontremos sempre o fim dos nossos gestos e palavras de amor e de bondade. Começar n’Ele e acabar n’Ele é uma graça de Deus que deveremos suplicar em cada dia deste ano que se inicia até chegarmos à maturidade da fé que nos permita dizer como Paulo: «já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim».
Que Maria, a mulher que viver da e para a Palavra feita carne e a mulher, mãe e mestra da Igreja discípula de Cristo, nos ajude a entoar em cada dia deste novo ano palavras de bênção, para que a nossa vida seja um canto de louvor ao nossos Deus, um hino de bênção para os nossos irmãos.
A Jesus Cristo, gerado no ventre materno e virginal de Maria Santíssima, Deus e Senhor das nossas vidas e da história da humanidade, que nos permitiu viver este ano e nos fará entrar no novo ano de 2020: a Ele o louvor e a glória, a honra e a majestade, o poder e a riqueza, tudo o que somos e tudo o que temos, pelos séculos dos séculos. Amém. “